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Por que estão falando tanto de… quit-tok

Por que estão falando tanto de… quit-tok

Muito distante do quiet quitting, a prática de publicar vídeos que mostram a própria demissão nas redes sociais ganhou popularidade entre a fatia mais jovem da atual força de trabalho. O quit-tok, trend que já soma muitos adeptos no TikTok, mostra como estamos diante de um novo perfil profissional – e um novo desafio para o RH.

Falando sobre representatividade com Lázaro Ramos

Ator, diretor, escritor e apresentador, o multimídia Lázaro Ramos divide com Cajuína lições sobre liderança, gestão, diversidade e aprendizado ao longo da vida adulta

Bruno Capelas
5 de janeiro de 2023
Lázaro Ramos: “A representatividade, sozinha, pode fazer com que pessoas vivam solitárias”
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Nas últimas duas décadas, Lázaro Ramos foi um nome inescapável do audiovisual brasileiro: seja em novelas, séries ou no cinema (isso para não falar em “Espelho”, programa que ele apresenta há 17 anos no Canal Brasil), o ator baiano de 44 anos sempre esteve à frente das câmeras fazendo papéis de destaque e contando histórias incríveis. Aos poucos, porém, essa carreira de ator foi se desdobrando em outros papéis, como diretor, escritor e executivo – desde o início do ano, ele é contratado da Amazon para não só atuar e dirigir, mas também ajudar a varejista americana a produzir conteúdo com a cara do Brasil. 

“A Amazon quer explorar gêneros pouco feitos no Brasil, mas com uma assinatura forte de brasilidade, como ficção científica, conteúdos infantis ou dramaturgia sobre esportes”, explica Ramos, que adicionou recentemente outra linha ao seu currículo – desde novembro de 2022, ele também é garoto propaganda da Caju. E Cajuína não podia perder a chance de bater um papo com ele sobre diversos temas que perpassam seu dia a dia, como diversidade, liderança e gestão. 

No papo a seguir, Lázaro fala um pouco mais sobre o desafio à frente da Amazon e nos ajuda a entender porque já não usa mais a palavra representatividade, mas sim representação positiva. “Muitas vezes, a representatividade sozinha faz com que as pessoas vivam solitárias em meios que são minoria. Isso traz pesos que não são justos, como ter que ter resposta para tudo que diz respeito à sua identidade. A identidade não pode ser uma prisão”, afirma o ator, que também admite ser um líder com dificuldade de dizer não e revela o que lhe faz continuar trabalhando. “O que dá sabor à minha vida profissional é me sentir desafiado ao fazer coisas que eu não sei fazer com tanta segurança.” 

Como foi o convite da Amazon para esse contrato atual? 

Esse convite surgiu em 2020 e ele contemplou muito um desejo que eu tinha de fazer mais do que além de ser ator. Na verdade, ele enfim deu um nome a uma coisa que eu já fazia. Já há muitos anos eu não me contentava apenas em atuar, eu estava dirigindo, escrevendo, opinando, conceituando… e quando a Amazon me falou dessa possibilidade desse contrato, é um overall deal, em que todas as minhas habilidades artísticas são trabalhadas junto com eles. Hoje, eu chefio salas de roteiristas, escrevo roteiros, estou dirigindo, criando projetos, atuando, apresentando. Além disso, também estamos construindo coisas na parte literária e em podcasts. É algo super legal e acho que é uma tendência: as pessoas funcionam assim [de múltiplas formas], não é apenas uma profissão que define a pessoa. Estou muito feliz e acho que estou caminhando junto com o meu tempo. 

Na época do anúncio do acordo, falou-se sobre a importância de trazer a visão local para a plataforma. Como tem sido o esforço para criar séries, filmes, produções que reflitam a diversidade da sociedade brasileira? 

É muito legal, especialmente porque a Amazon está fazendo um projeto que é explorar gêneros pouco feitos no Brasil, mas com uma assinatura forte de brasilidade. É legal porque lá a gente tem ficção científica. Estamos trabalhando conteúdos infantis, estamos pensando como criar dramaturgia sobre esportes no Brasil, tudo isso é muito legal. Não tem formato, não tem regra, é um desafio. É um grande risco [o resultado final] ficar uma imitação ou ter qualidade inferior. Mas tem várias soluções criativas que vão aparecendo no processo e dá vontade de ver as coisas logo filmadas. O Brasil é um poço de possibilidades. 

Diversidade é uma questão cheia de intersecções. Apesar da sua representatividade como homem negro ser muito importante, ela não perpassa outras questões. Como é seu esforço para garantir que outras vozes sejam percebidas nesse sentido? 

Na verdade, essa é uma coisa que eu já faço há muitos anos na minha produtora. Estamos fazendo há 17 anos o programa Espelho com inserção de diversidade na equipe. É simples assim. Lá na Amazon, eu continuo tendo essa mesma prática, já não estou mais usando o termo representatividade. Eu falo muito em representação positiva e presença, porque isso muda as coisas. Muitas vezes, a representatividade somente faz com que pessoas vivam solitárias num meio que elas são minoria e que tenham alguma voz, mas ela também traz alguns pesos que não são justos, como ter resposta para tudo que diz respeito à sua identidade. Muitas vezes, inclusive, se limitando a fazer algo ligado à sua identidade. Isso é positivo, mas não pode ser uma prisão. É importante estar atento a isso e ter equipes diversas. Minhas equipes são muito diversas e é muito legal, porque hoje em dia a gente tem vários exemplos, como o Medida Provisória. Ali, tudo que você possa imaginar tem: faixas etárias diversas, protagonismo de negros na equipe, mulheres em cargos de comando, a comunidade LGBT representada positivamente na história e na equipe… Para mim, é até difícil falar sobre diversidade porque eu já sei que isso é bom há muito tempo. Entende? Eu não faço porque é uma questão social, eu faço porque é bom. A gente no “Espelho” sempre se beneficiou muito disso. O jeito que o programa é feito é por conta dessa equipe diversa e não è à toa que o programa dura 17 anos. 

Já não estou mais usando o termo representatividade. Eu falo muito em representação positiva e presença, porque isso muda as coisas.

Como é ser aliado de diferentes vozes, em meio a um mercado que ainda é majoritariamente formado por homens brancos, cis e heterossexuais. Tem alguma estratégia que você recomenda para quem quer fazer essa transformação? 

Hoje em dia, tem uma primeira estratégia, que vem muito do negócio. Hoje em dia nós temos números para comprovar que diversidade traz resultados positivos. As pessoas que têm negócios gostam de escutar esse tipo de coisa. Durante muito tempo, eu falava sobre a importância de como o país era diverso e a gente não podia negar isso, de como a sociedade não avançaria se a gente não reconhecesse isso. Ao longo do tempo, eu entendi que isso não basta. Então, recorri aos números que se têm sobre inserção de diversidade nas empresas e nos projetos. Sou munido de muita informação sempre para falar nas ocasiões, porque às vezes as pessoas não têm sensibilidade para isso. Além da ativação da responsabilidade social, eu trago também a comprovação de que numericamente isso gera muitos frutos. Mas, ao mesmo tempo, às vezes eu nem conto isso para as pessoas porque isso é o segredo do meu negócio, tem pessoas que assistem… perguntam, sei lá, como eu fiz o Medida Provisória e o filme deu tanto público. Eu dou uma resposta meia boca, mas a verdade é que a diversidade ajudou, das pessoas que estavam juntas e criaram juntas, com paixão, com lealdade e com outras soluções que eu não encontrei em outros tipos de sala de roteiro. 

Lázaro, Cajuína discute muito questões sobre gestão e liderança. Você começou a carreira como ator, mas gradualmente foi passando a postos de direção, seja no teatro, na TV, no cinema. Como foi se ver nessa nova função? E quanto as coisas são diferentes ao estar nessa posição de liderança? 

Como ator, eu sempre tentei exercer liderança, no sentido de ter um bom clima de trabalho, ter saúde, ter um ambiente amistoso, acolhedor. Quando você é ator e é protagonista, você consegue contaminar muito o ambiente. Ao passar para a liderança e ter outras obrigações, que são mais burocráticas, em muitos momentos a gente precisa saber dizer não. No geral, o ator fica protegido, sempre é alguém que fala não para ele. Esse é o meu maior desafio ainda hoje: dizer não, tomar decisões que são impopulares mas necessárias para o processo. Por enquanto, eu não consigo fazer sem ser carinhoso, mandar cartas, mandar flores, explicar muito… eu não sou prático nem por um segundo fazendo isso. Mas estou achando que vou entender a minha maneira de exercer isso. O que eu entendi também é que o foco é contar bem uma história. Esse é sempre o meu trabalho. Então o meu diálogo com quem trabalha comigo é sempre para favorecer a história, porque estamos ali a serviço dela. Mas acho que eu sou um líder em formação, com valores importantes, que eu trouxe da atuação, mas eu estou em formação. 

Esse é o meu maior desafio ainda hoje: dizer não, tomar decisões que são impopulares mas necessárias para o processo.

O quanto é diferente liderar na TV, no cinema ou no teatro, e do entretenimento para a liderança como executivo? 

É muito diferente mesmo. Primeiro, porque o audiovisual, é impressionante: se você se enganar que vai fazer alguma coisa bem sozinho, é aí que você morre. Audiovisual é um lugar em que você precisa valorizar cada pessoa da equipe, precisa escutar cada um, manter cada um estimulado, compreender os processos e tempos de execução de cada área. É muito legal, porque você não se sente sozinho. No teatro, em geral, eu me sinto muito solitário. Principalmente quando eu estou dirigindo, porque são muitas decisões a serem tomadas, em algum momento o papel do produtor e do diretor se confunde – porque às vezes a maneira de viabilizar uma obra de teatro é você trabalhar também como produtor, então não adianta só bater o pé e dizer “eu quero”, porque talvez não tenha como. E são muitas responsabilidades, pelo menos nas peças que eu fiz. E tem uma coisa que me norteia muito, que é esse raciocínio do audiovisual, de tentar manter uma equipe estimulada e sempre fortalecer o coletivo. Acho que a palavra que me guia e que me define nesse lugar é coletividade, sempre. 

Além do contrato da Amazon, você ainda é CEO da sua própria empresa. Como é se colocar nesse papel de executivo. Como é o Lázaro executivo e CEO? 

Estou querendo fechar a produtora, porque não dá tempo de fazer isso… (risos). A verdade é que nos próximos anos, enquanto eu estiver com a Amazon, a produtora recua um pouco, porque as atribuições na Amazon são muitas. Além disso, tem uma coisa que eu faço muita questão de manter ao longo da minha carreira, mesmo trabalhando como contratado da Globo, e agora como contratado da Amazon. Sempre fiz muita questão de manter independência autoral de outros projetos. Eu tenho consciência de que o meu tempo tem que oferecer meu melhor para a Amazon, mas não posso parar de escrever meus livros, não posso abandonar meu trabalho com as músicas infantis que eu tenho com o Jarbas Bittencourt e a Heloísa Jorge. Isso me alimenta e me dá a sensação de que eu tenho algum lugar para voltar, é legal. O tempo que eu tenho fora da Amazon é para isso. Esse ano eu estou lançando dois livros, justamente por isso, é quase terapêutico ter esse lugar que é só meu, não tem chefe, não tem regra, não tem horário, não tem nada. 

Tem alguma história sua de liderança que te marcou e possa servir como exemplo para quem está lendo essa conversa? 

Tem um exemplo positivo bem recente. Entrei para um projeto na Amazon que já tinha uma equipe unida há um ano e meio, é bastante tempo. Essa equipe não estava conseguindo fazer o projeto andar. Dentro da Amazon, existe um método de quantas páginas você tem que entregar por vez, um número de episódios. Eu não fazia a menor ideia de como fazer as coisas daquele jeito, com aquele método. Quis fazer as coisas de um jeito diferente. Em vez de entregar o roteiro de três episódios, pedi para ficar com eles duas semanas, num hotel e entregar oito escaletas [estruturas de roteiro]. Nessas duas semanas, usei muito das práticas de teatro, de atores, com um grupo de roteiristas. E nas duas semanas, a gente conseguiu as oito escaletas. Eu não sei como eu consegui, porque na verdade a gente tinha conseguido. Ao passar de uma função para outra, eu não queria perder as possibilidades que uma experiência me oferece. Foi muito legal entender que práticas de teatro em grupo possibilitaram uma libertação no processo de criação de roteiro com roteiristas. Isso foi uma coisa muito legal, esse retorno que eles me deram me fez entender como era importante manter o aprendizado constante. 

Para fechar: Lázaro, o que dá sabor à sua vida profissional? 

Primeiro, o que dá sabor à minha vida profissional é me sentir desafiado ao fazer coisas que eu não sei fazer com tanta segurança. O desafio me mantém muito apaixonado ainda, e eu sempre me coloco nesse lugar, mesmo quando faço algo que eu já faço há muito tempo. Eu fico buscando alguma coisa para aprender, para me manter estimulado. Segundo, me dá sabor conseguir manter a relevância em cada trabalho, mas juntar com o entretenimento. É um objetivo que eu tenho: como sou ativista, fico com vontade de mudar o mundo em tudo o que eu faço. E às vezes, somente falar de uma maneira, num formato que só sua bolha entende, não é eficiente. Hoje em dia tenho muito prazer de encontrar novas linguagens e narrativas que possibilitam entreter, mas trazer provocações, reflexões, transformações para as pessoas.

O desafio me mantém muito apaixonado ainda, e eu sempre me coloco nesse lugar, mesmo quando faço algo que eu já faço há muito tempo

Esta entrevista faz parte do especial Goles de inspiração para o RH em 2023, material com os 5 grandes temas que estarão na pauta de quem trabalha com gente e gestão ao longo do ano. Baixe agora!

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.