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O que são os benefícios corporativos para mulheres?

Em proposta que combina plano de carreira com planejamento pessoal, companhias oferecem atrativos como congelamento de óvulos, licença estendida, jornada da fertilidade, retificação do nome social e apoio para cirurgia de transição de gênero

Bruna Bopp
21 de março de 2023
Benefícios corporativos para mulheres
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Oferecer benefícios para atrair ou reter talentos é uma prática bastante antiga das empresas. Nos últimos anos, porém, os RHs precisam não só cuidar de um pacote-padrão de atrativos, mas também levar em consideração as demandas pessoais dos colaboradores. Algumas empresas, por exemplo, têm olhado para benefícios corporativos focados nas mulheres, buscando tornar o ambiente de trabalho mais empático, de acordo com as escolhas de vida de cada pessoa. 

Na Meta, desde julho de 2022, é oferecido um benefício de fertilidade a todos os colaboradores da empresa, bem como seus parceiros ou parceiras. Para quem desejar engravidar e quiser passar pelo processo de fertilização in vitro (FIV), a empresa disponibiliza um montante que abarca todas as etapas do procedimento, além de uma consultoria que dá suporte a toda a jornada de planejamento familiar. “Não estamos falando só e exclusivamente de um reembolso disponível, mas sim de um benefício que suporta justamente todo o processo de tomada de decisão e jornada de planejamento familiar”, explica Thais Mingardo, gerente sênior de Remuneração e Benefícios da Meta para América Latina.

Já na healthtech brasileira Memed, o benefício começa com autoconhecimento: a fim de ajudar as colaboradoras a entenderem a fertilidade de maneira preventiva, a empresa decidiu custear 50% do programa Descoberta da Fertilidade, oferecido pela startup Oya.care. Com valor atual de R$ 389, o programa permite que as mulheres entendam a saúde de seus óvulos a partir de um exame de sangue, que mede a presença do hormônio antimulleriano (HAM), indicador que ajuda a entender a reserva ovariana de cada pessoa. A partir desse dado, um médico especialista da Oya faz uma consulta com a paciente, dando racionais para uma decisão sobre o momento certo de engravidar ou fazer um congelamento de óvulos, por exemplo. 

“As colaboradoras muitas vezes nunca ouviram antes sobre a possibilidade de olhar a fertilidade de forma preventiva. Quando aparece a possibilidade de entender mais sobre sua jornada de vida reprodutiva, elas valorizam muito”, diz Patricia Kostecki, que cuida da área de gente e gestão da healthtech. “Tenho relatos de pessoas que perderam o medo de ter filhos depois dos exames e outras que decidiram começar tratamentos, porque estavam com sua fertilidade baixa e não sabiam”, diz a executiva. 

Fazer parcerias com empresas têm sido um dos principais canais de demanda da Oya.care, que nasceu em 2021 e também possui serviços ligados a contracepção, congelamento de óvulos e fertilização in vitro. “As empresas nos procuram visando aumentar a eficiência de benefícios já existentes, como o plano de saúde, sem aumentar os custos de gestão de pessoas. Falar sobre plano de carreira feminina é também falar sobre planejamento da vida ginecológica e reprodutiva”, diz Paola Munaro Augusto, líder de finanças e estratégia da Oya. 

Para Paola, a equidade de gênero nas empresas não acontecerá até que os cuidados de fertilidade sejam cobertos ou façam parte dos benefícios corporativos. “A preservação da fertilidade deve ser escolha individual. Quando a empresa mostra que se preocupa com a jornada da fertilidade de suas colaboradoras, ela está mostrando também a sua preocupação em criar um ambiente equânime, no qual as mulheres podem focar na carreira em determinada fase da vida e também conseguem se planejar de maneira mais assertiva e com mais autonomia.”

Liberdade de escolha e rede de apoio

“Toda mulher precisa ter liberdade para decidir se quer ou não ser mãe”, diz Michelle Levy Terni, cofundadora da consultoria Filhos no Currículo, que promove bem-estar parental dentro das corporações. “E uma vez que ela queira ser mãe, benefícios como congelamento de óvulos e jornada de fertilidade são excelentes, porque são mais uma ferramenta para essa liberdade.”

Para Michelle, é inevitável que, com benefícios como esses, o engajamento das colaboradoras com a companhia cresça e o nível de confiança e a relação de vínculo se tornem ainda mais fortes. “Essa pessoa vai pensar muitas vezes antes de sair da organização que investiu nesse momento tão importante na vida dela”, diz. 

Mas há uma questão importante nessa história: é fundamental que a cultura da empresa acompanhe esse movimento. “Na minha visão, o benefício de congelamento de óvulos, por exemplo, só é um recado positivo se ele vier acompanhado de uma cultura de acolhimento à família”, afirma a consultora. “Senão, a mensagem pode ser ser entendida como uma indireta para a postergação da decisão da chegada dos filhos”, explica Michelle.

Por isso, é tão importante que a discussão vá além dos benefícios ligados à fertilidade. Jornadas flexíveis, licenças estendidas e auxílio creche, por exemplo, são extremamente relevantes e requisitos básicos quando se fala em um ambiente de bem-estar parental. Mas iniciativas de cuidado também são essenciais. As mulheres precisam de uma rede de apoio, inclusive rede de apoio corporativa. “Elas precisam também de referências internas, olhar para cima e perceber que é possível ter um filho e seguir trabalhando nesse ambiente”, diz Michelle.

Segundo um estudo sobre a experiência da parentalidade nas empresas realizado pela Filhos no Currículo, em parceria com o Movimento Mulher 360 e a consultoria Talenses Group, 72% dos mais de 1500 entrevistados responderam que o benefício mais desejado seria ter lideranças acolhedoras. “A gente percebe que existe um espaço enorme para que seja feito um trabalho de letramento, de conscientização e de sensibilização dessas lideranças. Não pode ser mais aquela história de dar a sorte de ter um gestor ou uma gestora acolhedora. É preciso democratizar esse acolhimento.”, diz Michelle.

Michelle Levy Terni, da Filho no Curriculo; Thais Mingardo, da Meta; e Patricia Kostecki, da Memed

Para todos os corpos

Na fintech Z1, que oferece uma conta digital para adolescentes, os benefícios corporativos seguem a uma ordem estrutural de diversidade – e isso vale para diferentes pautas. Afinal, atualmente 54,9% do time é formado por mulheres, 52,9% por pessoas negras e 48,1% pessoas LGBTQIAP+. “Nossa prioridade foi implementar ações que atendessem pessoas minorizadas”, conta Sophie Secaf, cofundadora e CMO da startup. 

Um dos principais destaques do programa de benefícios da empresa é o apoio dado a mulheres (e homens) trans. “Oferecemos hoje mentoria para esses profissionais, uma bolsa terapia em parceria com uma instituição especializada no atendimento a esses grupos, e também pagamos a retificação do nome social para aquelas que desejam e também para mais uma pessoa trans, de fora da empresa, que o colaborador ou colaboradora escolha para acompanhá-lo no processo”, conta Sophie. 

Para ela, o desafio é gigante. “Não são medidas simples de implementar. Quando estamos falando de diversidade e inclusão, e isso inclui benefícios para o público feminino, tem mais trabalho, mais tempo, mais treinamento e mais estudo envolvidos”, diz, adicionando o ponto de que lidar com benefícios e diversidade passa por se atualizar constantemente, não só em processos, mas também em políticas e pautas que surgem diariamente. 

Um exemplo citado pela executiva da Z1 é a aprovação recente, na Espanha, de uma lei que permite que as mulheres se ausentem do trabalho em casos de cólicas menstruais fortes – condição essa que passa a ficar catalogada na saúde pública como “incapacidade temporária”. O país é o primeiro da Europa, e um dos poucos do mundo, a reconhecer a licença menstrual como um direito da mulher. 

Para Sophie, esse tipo de medida é mais um alerta sobre a necessidade de se levar em conta determinadas particularidades dos profissionais na hora de se pensar um benefício e investir em um ambiente de trabalho acolhedor. Na Z1, por exemplo, como mais de 10% do quadro de colaboradores é formado por pessoas trans, a terapia hormonal passou a ser um assunto importante nas conversas de sensibilização dentro da empresa. 

“Era fundamental ter um espaço de escuta e aprendizado sobre o tema, para que todos se familiarizassem com as questões mais sensíveis de uma terapia hormonal, como as oscilações de humor, por exemplo. A ideia com isso é que os colaboradores se sintam mais confortáveis para dizer se não estão bem para trabalhar um dia, porque sabem que não serão julgados”, explica.  

Outra empresa que também tem um conjunto de benefícios bastante completo com relação às pessoas trans é a Meta, que oferece até mesmo um apoio para a transição de gênero, caso esse seja um desejo da pessoa colaboradora. “Cada vez mais as empresas deverão criar soluções que sejam capazes de atender necessidades cada vez mais individualizadas. Deveremos ter uma prateleira inclusiva e disponível para os diversos momentos de vida pelos quais passamos e que respondam a necessidades reais da sociedade”, diz Thais Minagardo, gerente de benefícios da gigante de tecnologia americana. 

Michelle Levy Terni, da Filho no Curriculo, também acredita nisso. Nos últimos 4 anos, ela trabalhou com mais de 300 organizações e diz que começa a perceber esse olhar como tendência. “Passamos por um período que catalisou um pouco dessa percepção de que as pessoas são seres integrais e que só vão dar o seu melhor se forem acolhidas de forma inteira. Um ambiente que entende essas individualidades vai receber em troca o nosso melhor, a nossa maior potência”, diz.

Leia também: De olho na saúde: como o RH pode ajudar nas questões mentais e físicas dos colaboradores

Bruna Bopp é jornalista. Trabalhou 11 anos na Trip com marcas como GOL, FAAP, Ambev e Nestlé. Roteirizou dois programas do GNT, Bem Juntinhos e Tempero de Família - Vizinhos no Copan.